20 fevereiro 2006

Quem morre?

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is"
em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está
infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto
para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos
conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se
da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de
iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre
que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.

Pablo Neruda

[Poema encontrado aqui]

É bem verdade que estar vivo exige muito mais que a nossa respiração. É preciso acreditar, é preciso ter a coragem de ser diferente, e supreender os outros e nós mesmos. Morre lentamente quem não acredita em si e se fecha para o mundo...

Acredito que "nós só morremos quando morrer a última pessoa que nos conheceu". Li esta frase, há já uns anos, no livro "Se não sabe porque é que pergunta?", de João dos Santos, e continua a fazer muito sentido para mim.

A nossa mortalidade depende da natureza. No entanto, a nossa "imortalidade" depende de todos aqueles com quem interagimos e do modo como nos posicionamos perante as coisas.

O poema de Pablo Neruda deixa-nos a pensar sobre o modo como temos vivido. Incute-nos coragem para arriscar e não ter medo de perder.

4 comentários:

Anónimo disse...

Escreveu Pessoa, na "voz" de Ricardo Reis,

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."

E de Sebastião da Gama,

"[...]Basta a fé no que temos,

Basta a esperança naquilo

que talvez não teremos.

Basta que a alma demos,

com a mesma alegria,

ao que desconhecemos

e ao que é do dia-a-dia.



Chegamos? Não chegamos?



- Partimos. Vamos. Somos."

Cristina disse...

deixei-te um recado no Farol ***

Anónimo disse...

Também morre quem não se deixa amar...

Anónimo disse...

Não acredito na impossibilidade de amar. Há sempre amor no ser humano, nem sempre orientado de forma construtiva. O amor é de tal modo complexo que tem muitas máscaras, muitos códigos, muitos curto-circuitos. Amar é uma aprendizagem, uma descoberta. É vivência individual e por isso irrepetível. Não amamos todos de igual modo, nem mais, nem menos. Quem de nós nunca experimentou diferentes formas de amor ao longo da sua vida?
O Amor é... tal como o famoso verso de shakespeare ' to be or not to be, that is the question'.