«Uma das mais belas histórias ditas «de loucos» é também uma das mais antigas. A sua origem exacta é desconhecida. Contam-na na Índia e na Pérsia. Hoje, longos caminhos percorridos, tornou-se, no Ocidente, um número de palhaços.
Passa-se de noite, numa rua, perto de um candeeiro de iluminação pública (no circo, o candeeiro é substituído por um círculo de luz no solo). Está um homem baixado, o nariz perto do chão, e parece procurar qualquer coisa.
Passa outro homem que lhe pergunta:
Passa-se de noite, numa rua, perto de um candeeiro de iluminação pública (no circo, o candeeiro é substituído por um círculo de luz no solo). Está um homem baixado, o nariz perto do chão, e parece procurar qualquer coisa.
Passa outro homem que lhe pergunta:
- Que procuras?
- Procuro a minha chave.
- Perdeste a tua chave?
- Perdi.
- E perdeste-a aqui?
- Não.
- Então, se a perdeste noutro sítio, porque a procuras aqui?
- Porque aqui há luz.»
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, Contos Filosóficos do Mundo Inteiro, Teorema, 1999, p.324
2 comentários:
A luz... e a sombra...conceitos que se dizem opostos, mas na verdade tão complementares. Gosto de observar a luz, mesmo que não precise de procurar a minha chave ( já perdi conta às vezes que a perdi e a tantas outras que a reavi). A luz tem modulações diferentes e a sombra persegue-a noite e dia. Gosto de luzes indirectas, luzes suaves e crepitantes. Também gosto de sombras. Gosto da minha e por nenhum valor deste mundo a venderia como na História fabulosa de Peter Shlemihl, uma leitura imperdível.
Entre luzes e sombras sintam o desafio da lua lá fora. Linda.
Deixe-me instalar nesta peculiar situação. Então alguem procura algo em um sítio claro. Um outro que passa por perto e interage com o tal que busca. Assim tomamos conhecimento que foi perdido uma chave e que , situação surreal, foi perdida em um lugar que não era aquele, porém, a busca ou a procura se dá não no possível sítio que foi perdida, porém em outro em que há luz. Muito bem, a chave precisa ser encontrada, pois há um movimento que direciona-se a isto, ou seja, a procura, porém, há necessariamente duas condições condicionais para a busca, ou seja, estar no possível lugar onde se deu a perda e certa condição de visibilidade pra encontra-la. Ora, são duas condições indissociáveis ao objetivo que direciona a ação. O que o conto propõe é a dissociação de duas possibilidades condicionais. Observemos se este alguem que perdeu a chave, procurasse no sítio onde possívelmente deu-se a perda, pois, a condição da perda , por sua vez está diretamente associada a um não saber pois do contrário não seria aquilo que é, perda. Portando neste caso haveria algo de absurdo, pois alem de escuro o sítio, o buscador supõe um lugar que poderia ter sido mas que nada garante que seja. Há um absurdo que passa despercebido em uma situação considerada real e dentro de uma normalidade. Uma procura no escuro nos dois sentidos possíveis, ou seja, incerteza do sítio e a condição negativa da visibilidade. Por outro lado, os absurdos se equacionam e já que a condição da perda consiste em um não saber, então que as condições de impossibilidade se reduzam, pelo menos há uma luz que envolta pela escuridão enlaça-se junto a possibilidade da incerteza e portanto quem poderia garantir que a chave perdida não estaria no sítio iluminado?
Enviar um comentário